Mais escuro que perturbado, mas quase sempre dogmático, intolerante. É assim que o artigo “Explorando o Processo de Radicalização em Mulheres Jovens”, escrito por Clara Isabel Morgades-Bamba, Patrick Raynal e Henri Chabrol, descreve os traços de mulheres jovens que provavelmente se juntarão a grupos terroristas. Já  que as mulheres têm desempenhado um papel importante em grupos terroristas – muitas vezes negligenciado pela academia – a pesquisa tenta entender o que pode levar uma mulher jovem a se radicalizar.

 

O que faz uma mulher decidir se juntar a um grupo terrorista? As respostas comuns podem ser depressão, raiva, alto envolvimento com sua religião. Isso está  certo? Sim e não. Para responder a essas perguntas, os autores de “Explorando o Processo de Radicalização em Mulheres Jovens” entrevistaram 643 mulheres com idade entre 18 e 29 anos que estudam em faculdades francesas. A razão pela qual eles escolheram estudantes universitários não foi uma coincidência: esses estudantes tendem a ser mais vulneráveis a crises de identidade, conflitos em relação a futuros incertos, e eles também tendem a buscar aprovação. Esses três elementos os tornam mais suscetíveis à radicalização. Não é surpresa que tenhamos visto uma prevalência de educação superior entre extremistas violentos.

Embora seja bem conhecida a influência de fatores socioculturais e algumas questões psicológicas sobre a radicalização, não há pesquisa empírica sobre como o dogmatismo pode afetar esse processo e esse fator apareceu várias vezes durante a pesquisa. O dogmatismo está associado ao fanatismo e ao autoritarismo (de modo geral, pode ser entendido como a falta de paciência com as crenças e princípios das outras pessoas). Segundo os autores, como as atitudes dogmáticas estão ligadas à identidade social, ao estresse cultural, à distância social e à religiosidade, pode-se afirmar que isso poderia mediar o efeito desses fatores sobre o comportamento da pessoa radicalizada. Os autores também mencionam que a chamada “radicalização da ação” (quando os sinais de radicalização se tornam visíveis através das ações de um indivíduo) é frequentemente precedida pela radicalização do pensamento.

 

A fim de testar a influência do dogmatismo na radicalização, os autores testaram um modelo preditivo de radicalização com mulheres que concordaram em participar da pesquisa. Eles analisaram como fatores sócio-culturais, alguns traços de personalidade e sintomas depressivos podem levar à radicalização através do dogmatismo. Os resultados podem contribuir para o desenvolvimento de políticas mais eficientes para evitar a radicalização, especialmente nas universidades:

 

  • Mulheres com traços obscuros de personalidades são muito mais propensas a entrar no mundo radical
  • Depressão e outros fatores psicopatológicos não costumam ser determinantes cruciais para a radicalização
  • Discriminação cultural, envolvimento com preceitos radicais da religião e identidade cultural são alguns fatores sócio-culturais que podem influenciar na radicalização
  • Personalidades dogmáticas e intolerantes tendem a ser um notável passo cognitivo em direção à radicalização entre as mulheres

 

Embora alguns estudos mostrem que os transtornos mentais são comuns entre indivíduos radicalizados, esta pesquisa reforça a ideia de que traços obcuros da personalidade – chamados pelos autores de “Dark Tetrad” (maquiavelismo – frieza, tendência a manipular outras pessoas; psicopatia – falta de empatia ou remorso; narcisismo – senso de dominância e superioridade – e sadismo – tendência a humilhar e machucar os outros por prazer) – facilitam a radicalização religiosa entre as mulheres, enquanto as características psicopatológicas não. É por isso que os autores afirmam que as mulheres radicalizadas são mais obscuras do que perturbadas.
À luz destes resultados, os autores dão algumas recomendações para evitar a radicalização, especialmente nas universidades:

 

  • Evitar o estabelecimento do dogmatismo entre os jovens, promovendo o livre fluxo de diferentes pontos de vista.
  •  Incentivar a tolerância em relação a outras pessoas, independentemente de sua cultura ou religião.
  • Fornecer aos jovens ferramentas para lidar com a discriminação e desafiá-la.

 

Para mais informações, acesse: https://doi.org/10.1080/09546553.2018.1481051
Lucas Mathias (UFRJ / Brasil)
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