De acordo com o Mapa do Ódio do Brasil publicado pelo Words Heal the World, o Brasil registrou 220 crimes motivados por intolerância religiosa em 2018. Embora a Islamofobia não seja esteja tão freqüentemente nas manchetes de jornais como os casos de intolerância religiosa às religiões afro-brasileiras, o Islã também alvo de preconceitos no Brasil.

Fui criado em uma escola católica e, durante um trabalho de antropologia para a universidade, tive a oportunidade de visitar uma mesquita no Rio de Janeiro. A experiência foi tão única que me motivou a escrever um artigo.

A Mesquita El Nur é uma das principais mesquitas do Brasil. O local, muito bem cuidado e organizado, é um símbolo de amor e resistência. Sempre muito receptivos, os muçulmanos recebem todos os visitantes com paz e harmonia. Foi nesse ambiente que entrei na mesquita e conheci o Fernando.

 

Gabriel J. -Qual seu nome?

Fernando Mendes– Meu nome é Fernando Mendes, sou assessor de comunicação da Mesquita El Nur.

 

GJ- Como começou sua história aqui na Mesquita El Nur?

FM– Eu me converti ao Islã em 2005, me formei em jornalismo, e depois, em 2009, fui chamado para trabalhar com a parte de comunicação aqui na Mesquita.

 

GJ- Primeiramente, na sua visão, qual são os principais valores que você gostaria que fossem reconhecidos pela sociedade como representativos do Islã?

FM- O Islã prega aquilo que toda religião trata como positivo, como o amor ao próximo, gratidão, harmonia, equilíbrio e, claro, prezar por uma vida mais saudável.

 

GJ- Quais são os termos que você considera equivocados em relação ao Islã?

FM- Os principais são: a relação criada entre o Islã e terrorismo e o mito da submissão da mulher.

 

 

GJ- Uma das coisas que percebi enquanto estudava sobre o Islã e a cultura árabe é que as pessoas tendem a pensar que são a mesma coisa. Como é possível diferenciar a cultura muçulmana da árabe?

FM- É preciso diferenciar cultura de religião. É fácil, a mulher muçulmana se veste de forma modesta, e a dança do ventre sempre é associada com ela. Então como que pode? A dança do ventre é uma característica da cultura árabe. Muitos árabes são muçulmanos, mas nem todo muçulmano é árabe. Do total de 1,5 bilhões de pessoas da religião islâmica, apenas, 18% são pessoas de origem árabe. O próprio narguilé, que é de origem árabe, as pessoas costumam confundir com nossa religião, mas de acordo com o Islã não podemos beber nem fumar. A cultura árabe é mais uma etnia que se liga com nossa religião como várias outras em todo o mundo.

 

GJ- Após o atentado ao World Trade Center, em 2001, houve uma forte onda de estigmatização do Islã, associando a religião com terrorismo. Como a comunidade muçulmana se posiciona em relação a grupos terroristas como a Al-Qaeda e o ISIS?

FM-A gente repudia todo tipo de visão extremista, são pessoas que têm objetivos bem diferentes, como a questão financeira que é sempre ligada ao Oriente Médio, que tem os conflitos fomentados pelas grandes potências. É porque muita informação não chega aqui. Depois que o ISIS (Islamic State of Iraq and Syria) surgiu – não é Estado Islâmico porque não é reconhecido como estado e não é islâmico – os grandes religiosos e sábios da religião fizeram um manifesto destacando, ponto por ponto, todos os aspectos que condenavam na ideologia pregada pelo grupo terrorista. Nós repudiamos veemente tudo isso.

 

 

GJ- O uso do hijab tem gerado discussão em países de maioria não-muçulmana. Como a comunidade muçulmana vê essa questão aqui no Brasil?

FM- Então, tem algumas questões aqui no Brasil que parecem ser mais difíceis de praticar do que em países como na Jordânia ou Emirados Árabes onde toda a sociedade já é moldada em volta da religião. Inclusive sabemos que se você é minoria e praticar, mesmo estando em condições adversas, acreditamos que você será bem mais recompensado por Deus por estar praticando. Em relação ao véu, ele é válido em qualquer lugar. Mas tudo na religião muçulmana é sobre livre arbítrio. A pessoa tem que seguir a religião voluntariamente. Se a mulher mora em um local que apresenta uma maior dificuldade, e ela não usar seu véu, ela não deixa de ser muçulmana, porém pode ser dito que ela está descumprindo uma regra. No entanto, isso é a relação dela com Deus, ninguém pode forçá-la a usar o véu. A mulher precisa entender a motivação por trás do véu. Ela tem que saber que o ato de usar o véu envolve uma grande responsabilidade. Mas, de novo, isso é inteiramente entre a mulher e sua relação com Deus.

 

GJ- O Alcorão, livro sagrado do Islã, promove a paz. Mas também prega o combate aos infiéis. Há uma contradição?

FM- Em primeiro lugar, existe muita coisa equivocada por causa da tradução. Mas chegando no âmago da questão, no Islã a gente entende o alcorão como um código de vida. Deus deu normas e orientações, Deus sabe que guerra existe desde que o mundo é mundo. O Islã dá uma orientação sobre todas as questões primordiais do ser humano. Por exemplo, o Islã só permite participar de um conflito, em uma situação, apenas na autodefesa. Eu nunca posso agredir você, nem um estado pode agredir outro, mas se você me agredir ou invadir o meu estado, eu posso ter uma resposta violenta, mas na mesma proporção em que fui atacado e sempre prezando a autodefesa. Antes mesmo da Conferência de Genebra, o Islã já tinha definições do combate justo, dando um conjunto de normas a serem seguidas como: não poder atacar templos religiosos, não poder atacar à noite, não poder atacar crianças e idosos. São várias regras que o Islã já estipulava há vários anos. Por isso o estudo do alcorão deve ser feito por professores, para que eles saibam o contexto para esclarecer seus alunos porque a utilização dos versículos fora de contextos pode levar ao fanatismo.

 

GJ- De acordo Com o Centro Internacional de Estudo de Radicalização ligado à universidade britânica Kings College, mais de 40,000 jovens de 110 países foram recrutados pelo ISIS. Como é possível combater a radicalização com os ensinamentos pregados pelo Islã?

FM-Esse trabalho que já estamos fazendo – de levar o esclarecimento para faculdades e colégios, para os não-muçulmanos – é um exemplo de como podemos aplicar os preceitos do Islã de modo a desconstruir os mitos sobre a religião. Ou seja, os religiosos muçulmanos precisam ter um alto conhecimento da religião para falar com o público de um modo que não dê margem a mal entendidos ou o uso de versículos isolados.

 

Por Gabriel J. (UFRJ – Brasil)

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